domingo, 24 de julho de 2011

TIO MOA ALERTA - THE DARK SIDE OF THE NÓS

tOU “O DOPADO, O MALUCO E A DROGADA”
A voz comum costuma ser assassina. Estou ouvindo Back to Black. Antes de continuar esta leitura, por favor, acesse este link e ouça a música enquanto lê.
E aí, já está ouvindo? Ainda não? Pois ligue logo a música... Pronto?
Três coisas aconteceram nesta semana que me deixaram assustado. Um quarto acontecimento me deixou assombrado.
1.       Cesar Cielo é nosso herói bonitinho, o maior nadador que este país já teve, ganhou ouro olímpico e é esperança de ouro nas próximas olimpíadas. Só que outro dia ele foi pego com doping, como um ladrão é pego saindo do roubo, como Mauricio Marinho é pego recebendo propina. Foi absolvido pelo comitê brasileiro não sei das quantas, mas o julgamento iria a um tribunal esportivo internacional; este sim iria fazer justiça, já que é conhecido pela dureza com casos de doping. Este mesmo tribunal já havia dado, há pouco tempo, uma pena severa a outros nadadores por ingestão da mesma substância. Como não se pode ter dois pesos e duas medidas, esperava-se que a justiça fosse feita e Cielo fosse condenado à mesma pena, mesmo que isso significasse perdermos nosso maior nadador por duas olimpíadas. Mas o tribunal, infelizmente, liberou Cielo.
2.       Kleber, jogador do Palmeiras, no meio de semana protagonizou uma cena inusitada. Quando um jogador cai e o juiz pára o jogo para que se restabeleça, quando a bola volta em jogo, o time que não estava com a bola no momento da paralisação, gentilmente devolve a bola ao time adversário. É o chamado fair-play. Só que, ao receber a bola do juiz depois do atendimento a um jogador do Flamengo, Kleber, ao contrário do que todos esperavam, saiu como um maluco com a bola para a frente e tentou fazer o gol.
3.       Amy Winehouse, em seu último show, foi vaiada porque estava sem condições de dar o melhor de si, de cantar as músicas da forma que as pessoas, que, afinal, pagaram pelos ingressos, esperavam. Ela estava totalmente fora do que se pode chamar de estado normal. Como é que uma mulher bonita, bem sucedida, celebridade mundial, pode se entregar à bebida e às drogas desse jeito. Hoje ela morreu, novidade nenhuma: todos esperavam que isso fosse acontecer a qualquer momento, dado o tipo de vida que ela levava, se é que aquilo pode ser chamado de vida.
Muito bem, o que estes 3 casos desta semana têm em comum, pergunta você, leitor desconfiado? Por que estes casos me assustaram, como eu mesmo disse no início deste pôsti meio sombrio a ser lido ao som de Back to Black? “Tio Môa”, você pode estar pensando em dizer, “não é assim tão raro as pessoas fazerem besteira, isso acontece todos os dias, o mundo está podre, afinal”.
Só falta agora aparecer o Casoy e dizer que precisamos passar este mundo a limpo.
Aumente o som antes de continuar lendo.
O que os três casos têm em comum é o que me deixa assustado: a reação moralista e irada das pessoas.
1.       No caso Cielo, todos esperavam que se fizesse “justiça” com sua condenação. Não foi a opinião que você teve ao ler o meu enunciado do caso? Eu li há pouco um fórum: estão apedrejando o cara. Todos pedindo “justiça”, pedindo igualdade, dizendo que devia ser aplicada a mesma pena dos outros. Mas duvido que algum deles sabe em que condições os outros foram condenados. Acaso você sabe se a quantidade encontrada no sangue dos outros era igual à do Cielo ou se era muito menor? Você sabe se uma gota é igual a um litro para surtir o efeito de obter melhor rendimento? E os antecedentes dos outros? Já haviam sido “pegos” antes? Tudo isso deve, necessariamente, servir de base para uma decisão justa, mas quem quer saber disso? O que chamam de “justiça” é a condenação do outro. Ninguém quer saber da essência da justiça, o que querem é sangue.
2.       No caso Kleber, os jogadores do Flamengo, os jornalistas e os “defensores da ética” no futebol partiram prá cima do Kleber, que infringiu o chamado código de honra dos boleiros e o chamado fair-play. Agora pense numa coisa: e se o jogador do Flamengo (ou de qualquer time que caia para ser atendido) estivesse “fazendo cera”? Fato: aproveitando-se do tal do fair play, muitos jogadores que caem, na verdade estão fingindo para fazer o tempo passar porque o resultado lhe interessa e a equipe adversária está melhor e pressionando. Afinal, o juiz nunca, repito, NUNCA, repõe aquele tempo perdido. E ainda por cima o time que precisa do resultado tem que devolver a bola ao time que está mentindo e prejudicando o espetáculo, e tudo porque convencionou-se dizer que o fair-play consiste em “gentilmente” devolver a bola ao adversário. Hoje ouvi Muricy Ramalho (técnico) dizer que o mundo tá ficando cada vez mais chato, que tudo tem que ser politicamente correto, que antigamente não havia nada disso e o futebol era muito melhor. Adoro vozes e comportamentos dissonantes. Mas todos caíram de pau no Kleber, inclusive quem tem conexão ilegal da NET, quem fura fila, quem anda pelo acostamento e rouba lugar de quem está esperando. Garrincha hoje não encantaria o mundo com seus dribles mágicos, porque seria contra o código dos boleiros. Curioso é que Garrincha é tido como o inventor do fair play, o verdadeiro, porque ao ver um adversário mancando pôs a bola para fora para que ele fosse atendido. Ninguém quer saber da essência do fair play, o que querem é sangue.
3.       No caso Amy Winehouse, uma amiga postou hoje um comentário jocoso sobre ela ser drogada. Sorte que outra amiga, maravilhosa, postou um comentário dizendo-se triste. Lembro, como se fosse agora, do momento em que a TV disse que Cassia Eller havia morrido e que a causa provavelmente era overdose. Quem estava ao meu lado disse: bem feito, uma drogada a menos. É muito comum a gente (e eu sou gente) falar “bem feito” quando alguém, sucesso ou não, se dá mal. É uma delícia ver alguém dançar...  Sei que uma avalanche de comentários semelhantes de estar agora entupindo a rede. Ninguém está pensando nas dificuldades afetivas ou psicológicas que ela tinha, nem na música maravilhosa que ela criou, nem nos dois discos maravilhosos que ela deixou e que vão ficar prá sempre, já são clássicos, ninguém imagina, nem quer, se ela sofria ou não, nem querem saber se sua vida era ou não um inferno, ninguém está nem aí se ela usava drogas ou se bebia. O que querem é julgar, é jogar a bruxa na fogueira. O que querem é sangue.
Não sei ao certo, mas desconfio que isso seja pior aqui no Brasil, país de mentirosos, país raquítico que mais arrota do que come, que permite roubos descarados, que deixa no comando do maior evento de futebol do planeta uma pessoa internacionalmente conhecida como corrupto, mas, por outro lado, somos um país que não permite deslizes morais, ao menos os públicos.
No inicio do pôsti, falei que uma quarta coisa me assombrou. Foi o cara na Noruega que matou 80 jovens, ao que tudo indica porque não pensavam como ele, que é ligado a grupos de extrema direita.
É hora de voltar a ouvir a ouvir Back to Black, caso ela tenha terminado.
A associação é assombrosa, é terrível a simetria: o que moveu o atirador é o mesmo que move as pessoas a, de uma hora para outra, odiar Cesar Cielo, apedrejar Kleber, ironizar Amy Winehouse. O que move é o ódio, que é um extremismo. Se o cara era de extrema direita ou extrema esquerda dá no mesmo, o que conta é o extremismo. “Odeio aqueles jovens imbecis”, “odeio nadadores dopados”, “odeio músicos drogados”, “odeio jogadores malucos”. O extremismo que está no lado negro do nosso ser nos faz urrar como os nativos da ilha da caveira diante do sacrifício da mocinha, que tinha o pecado de ser diferente, loira e bonita. O pior é que não fazemos isso sozinhos, porque não temos coragem de enfrentar a nós mesmos, mas ficamos valentões na multidão, quando estamos na voz comum.
A voz comum é assassina.
Nosso urro quando apedrejamos alguém vem de saber que não somos nós que estamos lá, no muro. Nosso gozo ao apedrejar é por saber que nossos deslizes morais não foram descobertos. Cada vez que pegamos um otário desses, urramos para reafirmar aos outros a nossa retidão moral e para empurrar nossos deslizes e nosso fracasso de volta para o nosso lado oculto, back to black.  

6 comentários:

Anônimo disse...

Moa, ontem a noite procurei por um posti seu sobre a Amy, mas como valeu a pena esperar um pouco mais. Bjs tristes. Fer

Anônimo disse...

Moa, meu velho
uma sugestão para tua longa lista de os 10 mais:
- el ultimo que rie es el que piensa mas lento, de alejandro garcia virulo.
beijos, Panta

Tio Moa disse...

Beleza, vou conhecer, afinal ainda harará os 10 mais internacionais...

Anônimo disse...

É, Mi, a gente sempre se desviando de nós mesmos, preferindo não viver intensamente, evitar riscos e agredindo os que ousam... A Amy nos deixa muito mais do que dois discos esplêndidos. Faz a gente pensar, pensar, pensar e ir "go back to black".
Ine =´o(

Bruna Bucci disse...

Ao ler o trecho "...urramos para reafirmar aos outros a nossa retidão moral e para empurrar nossos deslizes e nosso fracasso de volta para o nosso lado oculto, de volta ao escuro."
Leonardo diz: "Nossa, isso é tão junguiano."

- E é mesmo.

Gostamos.

Obs. 1: Marcelo Semer - "O reacionário moderno é apenas o ovo da serpente de um fascismo pra lá de ultrapassado." (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5250800-EI16410,00-O+moderno+reacionario+e+a+porta+de+entrada+do+velho+fascismo.html)


Obs. 2: Para mim, o acontecimento mais assustador nessa semana assustadoramente intolerante foi o do "homem que teve a orelha cortada por ser confundido com gay" (http://www.folhadaregiao.com.br/Materia.php?id=280978)

Tiago do Valle disse...

No começo da postagem, me assustei. Pensei: O Humberto Laraia não julgaria estes três casos assim... Quando fui lendo o fim, o alívio! Também tive que tentar esclarecer o fato "Amy" recentemente num outro blog, em que a julgaram pelo abuso das drogas. Pimenta no fiofó dos outros é refresco. Ainda bem que existem esses poucos, que se colocam no lugar dos outros, e que sabem que cada um tem a sua história de vida. Ah, você foi esperto, soube o momento exato em que a música termina durante a leitura, e pediu que colocássemos play novamente rsrs.

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