domingo, 7 de novembro de 2010

"Tio Moa Viajou" explica Hitchcock - 2

A sessão “Tio Moa Viajou explica Hitchcock 1” disse que o retro-citado cineasta é o mestre da linguagem cinematográfica. “Linguagem cinematográfica”! Fala verdade, não é uma expressão muito da metida a besta? Vamos melhorar. No pôsti anterior eu disse que o cinema inaugurou uma linguagem totalmente nova e que essa nova linguagem é exatamente sua maior riqueza.


É claro que a evolução tecnológica do cinema é importante, mas não tanto quanto a evolução de sua linguagem. A tecnologia atualiza o cinema com a evolução do mundo, mas está a serviço da linguagem. É esta que atrai e cativa a platéia. O cinema, brincando com nossas emoções, com nossos valores e com nossa ânsia de sonhar, acaba por desenvolver a nossa própria linguagem. Cada filme nos desfia a entender suas mensagens como condição para obtermos a experiência de viajar com ele. A cada cena, simultaneamente tentamos compreender o que aconteceu, captar e decifrar o que está acontecendo e projetar o que acontecerá, ansiando, se a projeção por positiva, ou temendo, se for negativa. É isso o que mais nos atrai no cinema. Prá encurtar: falar “cinema” é falar “linguagem cinematográfica”. Sempre que se fala um, se fala o outro. Portanto, para reduzir e simplificar o título: Hitchcock é o Mestre do Cinema.

Muitos cineastas contribuíram nestes cem anos para a evolução do cinema. Mas Hitchcock foi o mais intenso e bem sucedido nesse esforço. A cada filme ele procurava formas diferentes de transmitir uma mensagem ao expectador, de inverter as próprias expectativas do público com a linguagem. Quer exemplos? Vamos lá:

1. Porque todas as mortes no cinema têm que ser fáceis, rápidas, com um tiro ou uma facada? E porque sempre tem que ter música e/ou gritaria? Na cena do assassinato de Gromek, cometido por Paul Newman em “Intriga Internacional”, Hitch quis mostrar que pode ser difícil, trabalhoso e demorado matar um homem. O agente russo acabou de descobri-lo e vai prendê-lo. Um motorista de taxi espera do lado de fora. Numa longa e silenciosa sequência, são usados panela, pá e até o fogão. Pequenos planos nas mãos de Gromek, nas suas pernas quando são atingidas por golpes de pá e nos dedos trêmulos nos final da cena. Detalhe: nem música a cena tem. Cena fantástica e hiper-carregada de tensão. Não vá atrás de youtube prá ver a cena – você vai gostar mais vendo o filme todo.

2. Em o Terceiro Tiro, Hitchcock quis mudar a forma como o cinema mostrava o tema assassinato, sempre de forma sombria, sempre à noite. Para que valorizar tanto a morte? Ele trouxe o tema à luz do dia, trocou a emoção pela razão e pela indiferença. Ficou engraçado e bem humorado. Não é uma comédia, os atores não atuam como em comédia, mas a forma como as pessoas lidam com o problema deixa o filme muito engraçado. Veja esta: um senhor de idade (já é diferente) arrasta um corpo pelo mato para tentar escondê-lo. Passa uma senhora, vê e, com a maior naturalidade: “o senhor está com algum problema?”

3. Em “Festim diabólico” Hitchcock propôs um grande desafio a ele próprio e aos atores. Sabedor da importância do corte e da montagem para o cinema, resolveu desafiar a si próprio, dificultando ao máximo as coisas para ele mesmo. Como se estivesse se estrangulando. Resolveu fazer um filme inteiro sem um único corte. Só uma câmera. Um único ponto de vista em ação ininterrupta. Como naquele tempo a câmera não era digital, a cada 12 minutos tinha que trocar o rolo. Mas ele disfarçou essa troca. O que importa é que a ação é ininterrupta. Sem o recurso do corte, a criatividade no movimento da câmera, combinada com a perfeita atuação e movimentação dos atores minutos, transmite tudo. Ou seja: com uma única tomada durante todo o filme e ainda assim cirando tensão o tempo todo, Hitchcock venceu o desafio, para deleite da platéia.

4. Está vendo isso ai em cima? Que tal agora invertero que ele fez em "Festim"? Pois em "Psicose" tudo se inverteu. O filme é esplêndido por uma série de razões, mas aqui destaco sua cena mais famosa, a do assassinato no chuveiro. De só uma tomada em mais de uma hora e meia vamos para uma cena, a do chuveiro, que tem 70 tomadas em 45 segundos. Uma das cenas mais criativas da história do cinema. Pura criatividade, corte e montagem. Um delírio!

5. Imagina o trabalho que deu montar aquele monte de tomada em Psicose. Mas certamente tudo estava bem desenhado: Hitchcock não trabalhava no improviso. Tudo era imaginado e planejado cuidadosamente meses antes. Em “Os Pássaros” ele imaginou uma cena em que, no lugar de mostrar o tempo todo para a platéia o perigo chegando, mostra apenas um pássaro pousando. Já ficamos aflitos, pois sabemos que os pássaros estão atacando e matando pessoas. Depois a câmera fica 40 segundos mostrando Melanie esperando num banco. Enquanto isso ficamos pensando se teriam chegado mais pássaros ou não. Depois mostra novamente o local, depois ela de novo. No final ela olha e já tem centenas de pássaros. Acompanhe o desenho feito muito antes das filmagens.

6. Falando em montagem, “Janela Indiscreta”, inteirinho, todinho é só montagem. Só um ponto de vista, o da janela de Scott, que está com a perna quebrada e dedica seu filme a acompanhar a vida dos vizinhos dos prédios que ficam à frente do seu. Ao longo do filme acompanhamos, alternadamente, as histórias que acontecem dentro de cada janela. Tudo sempre é mostrado de longe, do lado de fora da janela, de dentro do apartamento de Scott, que, interpreta o que acontece dentro de cada janela. Tendo o cinema nos acostumado a ver as cenas sempre de perto dos personagens, veja o que isso representa de inovação e de risco.

7. Mais uma em “Os Pássaros”, a sequência da cena de que acabei de falar. Melanie entra na escola para avisar. Depois vemos, ainda dentro, a professora orientar as crianças: “vamos bem devagar e sem barulho. Quando eu gritar, vocês correm. Como qualquer um filmaria? As crianças abrindo a porta e olhando para os pássaros. Depois mostra os pássaros, que vêem. Depois as crianças descendo as escadas. Novamente os pássaros se preparando. Depois as crianças andando, etc. Como foi montado? Câmera nos pássaros por longos 40 segundos. Durante esse tempo nós imaginamos todos aqueles passos. Ele só nos mostra as crianças quando elas começam a correr, ao que são seguidas pelos voadores.

Só citei alguns exemplos, mas todos os seus filmes são recheados deles. O cinema tem muitos cineastas criativos. Mas Hitchcock foi além de todos eles. Na medida em que sua criatividade foi capada, sentida e assimilada, e não apenas por cinéfilos. Hitchcock foi um cineasta muito popular. Seus filmes eram sucessos populares. A inovação e a qualidade, para Hitchcock, só faziam sentido se estivessem a favor de fazer um cinema do qual as pessoas gostassem muito e pelo qual elas se sentissem atraídas. Como ele atraia as pessoas? No próximo pôsti.

3 comentários:

Néia Guimarães disse...

como é bom ler e entender cada momento,sendo o escritor bom demais,ambos!!!Adoro a cena das janelas,o ñ conseguir fazer nada ,por estar sem condições fisicas e ver acontecer ,se sentindo impotente...

fernanda_cm disse...

Hitchcock é mestre mesmo, é um administrador: planejamento, organização, DIREÇÃO e controle. hehehe...

Unknown disse...

o próprio hitchcock disse uma vez que o que ele mais fazia era mostrar que ao contrário do que os outros filmes mostravam, pode ser difícil e "nojento" matar uma pessoa haha outras das inovações dele no cinema foram os efeitos de "um corpo que cai", principalmente os jogos de cores quando james stewart olha para baixo, apavorado, e como isso foi diferente de todos os filmes dele que eu vi, e de tantos outros hehehe

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