Afrociberdelia é um disco para se ouvir, ouvir muito, para se dançar, dançar muito. Disco para chacoalhar a cabeça. Por isso quase não vou falar.
O disco já começa a milhão, com uma chocante profissão de fé (coisa de quem tem o que dizer ao mundo):
Eu vim com a nação zumbi!
Ao seu ouvido falar
Quero ver a poeira subir
E muita fumaça no ar
Cheguei com meu universo
E aterriso no seu pensamento
Trago as luzes dos postes nos olhos
Rios e pontes no coração
Pernambuco em baixo dos pés
E minha mente na imensidão
Ao seu ouvido falar
Quero ver a poeira subir
E muita fumaça no ar
Cheguei com meu universo
E aterriso no seu pensamento
Trago as luzes dos postes nos olhos
Rios e pontes no coração
Pernambuco em baixo dos pés
E minha mente na imensidão
Você não será mais o mesmo. "Afrociberdelia", o segundo disco de Chico Science e Nação Zumbi, chegou ao 5º lugar na World Music Charts da Europa. Entre 11 e 27 de julho de 96, a banda faz nova turnê européia, percorrendo 13 cidades. Lá, tocaram com Coolio, Beck, Ministry e Nick Cave. No Festival de Montre. O Paralamas fez abertura de shows do Chico Science, e não o contrário
Folha de São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
O líder do movimento manguebeat, Chico Science, e o comediante e músico Antônio Nóbrega estarão unidos no Carnaval pernambucano para combater músicas como "Segura o Tchan" e defender os ritmos locais, como o frevo e o maracatu. Os dois vão se apresentar juntos pela primeira vez amanhã e terça-feira a partir das 20h, na praia da Boa Viagem, em Recife (PE). Estarão sobre um trio elétrico, durante o desfile do bloco Na Pancada do Ganzá, criação de Nóbrega. Chico Science vai apresentar músicas dos seus dois CDs, "Da Lama ao Caos" e "Afrociberdelia", que misturam rock com maracatu, pop com tradição.
"O maracatu, que é eletrizante, vai combinar bem com o trio elétrico", disse ele.
"Um passo à frente
E você não está mais no mesmo lugar"
E você não está mais no mesmo lugar"
Eu só quero andar
nas ruas do Brasil
nas ruas do Brasil
Andar no mundo livre,
Sem ter sociedade
Andar com as meninas, de eletricidade
Segura essa levada, segura o maracatu!
Folha de São Paulo, segunda, 3 de fevereiro de 1997
Science morre à beira do mangue
Chico Science, 30, morreu a poucos metros de um mangue, o símbolo do movimento que criou e liderou.
Chico Science, 30, morreu a poucos metros de um mangue, o símbolo do movimento que criou e liderou.
Macô, com Gilberto Gil, é uma delícia.
De zambo nada tu só quer mamata
Tu só quer ficar na minha
Porque eu tô de mão cheia
Olha só que menina bonitinha
Pra poder ficar comigo
Tem que saber de cozinha
Tu só quer ficar na minha
Porque eu tô de mão cheia
Olha só que menina bonitinha
Pra poder ficar comigo
Tem que saber de cozinha
Ô menina, Ô menina, Ô menina, Ô!
Macô! Macô! Macô! Macô! Macô!
Folha de São Paulo, segunda, 3 de fevereiro de 1997
O corpo do cantor e compositor pernambucano Chico Science, morto domingo à noite em um acidente de carro, entre Olinda e Recife, foi velado ontem no centro de convenções do Memorial Arcoverde, em frente ao local onde ocorreu o acidente.O caixão com o corpo do artista deixou o centro de convenções, na divisa de Olinda e Recife, às 15h30 (16h30 em Brasília), transportado por policiais da guarda de honra.Até aquela hora, dez mil pessoas haviam passado pelo local para homenagear o cantor, segundo avaliação da PM. Cerca de mil pessoas permaneceram no prédio até a saída do corpo.O governador Miguel Arraes decretou ontem luto oficial no Estado por três dias.
A estrovenga girou
Passou perto do meu pescoço
Corcoviei, corcoviei
Não sou nenhum besta seu moço
A coisa parecia fria
Antes da luta começar
Mas logo a estrovenga surgia
Girando veloz pelo ar.
Essa aí em cima é o começo de Cidadão do Mundo, uma das músicas mais delirantes que conheço. O jeito de cantar do Chico Science é único, se bem que muito imitado até hoje, quase 15 anos depois de sua morte. A batida da banda vai pontuando a crônica popular que ele canta contando, ou conta cantando...
Chico Science é destaque em edição do "New York Times"
Crítico vê no mangue beat impacto comparável à Tropicalia. Assinado pelo crítico de música Jon Pareles, o artigo apresentou Science como fundador do movimento de maior impacto da música brasileira desde a Tropicália. O texto foi publicado em três colunas, em alto da página. O jornal relata o surgimento do mangue beat e faz referência ao manifesto (Caranguejos com Cérebro) assinado por Science e Fred Zero Quatro. Segundo o jornal, o movimento transformou Recife em um novo centro do rock brasileiro.
A versão de “Maracatu Atômico”, clássico do Jorge Mautner, é antológica. O clipe, ótimo, não parava de tocar na MTV. “O encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont”. Nada como o Firmamento para trazer ao pensamento a certeza de que estou sólido, e a imensidão aérea é ter o espaço do firmamento no pensamento, e acreditar em voar algum dia.
Folha de São Paulo, terça-feira, 4 de fevereiro de 1997
Um grupo de 12 cortadores de cana da Zona da Mata, vestidos de guerreiros do maracatu, escoltou ontem o corpo de Chico Science, do velório ao carro de bombeiros que o conduziu ao cemitério. O escritor Ariano Suassuna chorou em frente ao caixão. O artista Antonio Nóbrega também homenageou o compositor. “Foi uma perda trágica, brutal”, disse. Apesar da presença de artistas e pessoas famosas no velório, foram os anônimos cortadores de cana dos maracatus da Zona da Mata quem mais emocionaram os fãs e os parentes do cantor.Trajando roupas típicas, coloridas e com guizos presos às vestes, os caboclos-de-lança (nome do personagem do maracatu) foram saudados com gritos de ``Chico, Chico''. Os fãs cantavam músicas de seu ídolo, enquanto os maracatus dançavam em frente ao caixão.
Folha de São Paulo, quinta-feira, 6 de fevereiro de 1997
Vamos parar de morrer, gente inteligente?
JOSÉ SIMÃO
Buemba! Buemba! Macaquito Simão Urgente! Vamos parar de morrer, gente inteligente? A bruxa tá solta! Ficamos três vezes menos inteligentes: Antonio Callado, Chico Science e Paulo Francis. Daria pra morrer um burro de vez em quando? O negócio é começar a tomar pílula pra emburrecer!
Gilberto Gil “Nunca imaginei que poderia sofrer um acidente de carro. Velocidade não se casa com a imagem que tinha dele. Achava-o dócil, manso, suave.”
Fernanda Abreu - "Ele tinha uma presença de palco incrível. Era o Mick Jagger do mangue beat, uma figura importante para a música brasileira, mas ainda iria se tornar muito mais importante. Ele tinha consistência”
Herbert Vianna - "Estou arrasado. Desde que fizemos uma turnê juntos com Chico Science e Nação Zumbi na Europa, passamos a tocar 'Manguetown' em todos os shows. Para mim, foi a melhor música do ano. Chico era o farol da nossa galera, apontavam para a frente e o resto de nós vinha atrás."
Alceu Valença, cantor e compositor - "O Chico fazia um bate-bola entre o maracatu, o rap e o funk. Era um grande artista, com uma presença de palco muito forte. É horrível, uma perda inestimável."
Marcelo Frommer (Titãs) - "Estou chocado. O Chico e o mangue beat trouxeram novidade em meio à banalização da música baiana. Ele fez uma releitura da cultura do nordeste, redimensionando-a como uma coisa rica."
Carla Perez, dançarina da banda É o Tchan - "Fiquei triste, mas não era muito fã dele. Ele criticava muito a música baiana e o É o Tchan."
Esta noite sairei, vou beber com meus amigos... ha!
E com as asas que os urubus me deram ao dia
Eu voarei por toda a periferia
Vou sonhando com a mulher
Que talvez eu possa encontrar
E ela também vai andar na lama do meu quintal...
Manguetown
E com as asas que os urubus me deram ao dia
Eu voarei por toda a periferia
Vou sonhando com a mulher
Que talvez eu possa encontrar
E ela também vai andar na lama do meu quintal...
Manguetown
Sangue de Bairro é um rockão pesado com sotaque pernambucano (tem até triângulo) em que ele vai citando os nomes de todos os cangaceiros do bando de Lampião, que , por fim, é degolado.
Quando degolaram minha cabeça passei mais de dois minutos vendo o meu corpo tremendo. E não sabia o que fazer, morrer, viver, morrer, viver...
O primeiro disco, “Da Lama ao Caos”, também poderia estar na lista, é fantástico e importante para a música brasileira, foi o marco que deslocou o eixo da criação musical brasileira e influenciou toda a geração posterior. Mas o disco seguinte, depois do sucesso internacional, veio carregado de expectativas. Normalmente o segundo disco de qualquer músico ou banda tende a ser menos bom, mesmo que ótimo. Mas até nisso Chico Science mostrou que era singular. “Afrociberdelia” é ainda melhor, tem espectro mais amplo e, nesse sentido, acaba sendo mais rico. Chico Science morreu quando estava se transformando rapidamente na figura mais importante da produção cultutal brasileira, estava navegando em tudo, literatura, cinema teatro. Planejava até uma novela pela internet... Há 15 anos...
Folha de São Paulo, terça, 4 de fevereiro de 1997
Morte encerra os anos 90 no Brasil
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
A dimensão da morte de Chico Science não é menor que a de tragédia comparável à morte precoce de Dolores Duran ou ao abandono da cena pelo mutante Arnaldo Baptista. O acidente de Chico faz lembrar que os anos 90, no Brasil, se encerram com três anos de antecipação. O único movimento musical que se pôde produzir aqui desde a tropicália -e lá se vão 30 anos- acaba de ser abruptamente abortado.
Com Chico Science se vai o pedaço mais comunicativo, mais disposto a dialogar com as belezas e mazelas do pop nacional.Por um curto lapso de tempo, nos parecia que finalmente o trem da música popular voltava aos trilhos. Finalmente alguém prestava homenagem à revolução tropicalista tentando superá-la, admitindo que ela era coisa do passado.
Por esparsos instantes, nos parecia que o Brasil se engajava no bonde da história e embarcava na modernidade da descentralização, no reconhecimento da virtude da inteligência fermentada numa cidade excêntrica como Recife, num país excêntrico como o Brasil. Por um pouquinho de tempo, parecia que o futuro existia, que uma história começava a ser contada, que essa história ia ser longa e ia mudar -para melhor- o sentido das coisas. Agora, da lama ao caos, tornam-se ínfimas de novo quaisquer expectativas, quaisquer esperanças.
Deixar que os fatos sejam fatos naturalmente
Deixar que os olhos vejam os pequenos detalhes lentamente...
7 comentários:
Uhu, estou com todo o corpo chacoalhado! Um posti daqueles. Bjs. Fer
Moacir o teu blogue é fodah, parabéns!
Nívia Arruda
Recife
Chico Science...
Existiu de dentro si próprio em prol da mistura do novo com o velho. O Cientista do ritmos, fez chorar a guitarra no baque do Maracatu, fez o Funk se lambuzar com Coco, fez o Punk Londrino parecer irmão do Baião Sertanejo.
Chico Science...
Individual e coletivo.
Um revolucionário debruçado sobre os pés do meu Pernambuco.
Chico Science...
As notas de sua morte estão sendo sacadas de esquina em esquina. Mas as notas de sua vida ainda passeiam em meus ouvidos.
Chico Science...
Não teve clímax, não teve o seu orgasmo musical. Mas foi muito maior do que tudo que já viveu nessa terra.
Chico Science...
GÊNIO!
Caramba, Julio!!! É isso aí. O cara foi um cometa que passou por aqui! Lembro-me agora que não citamos uma outra faceta do Chico, muito especial para mim, do teatro: a do performer de palco. Não me lembro de nenhum outro músico tão bom no palco. Era um bailarino incendiário que traduzia o som em movimentos tão belos plasticamente quanto alucinantes. Lembro-me do show para o programa Som Brasil, do Wandy, na TV cultura, em que ele arrasou. Cantou Maracatu de Tiro Certeiro com Arnaldo Antunes, outro cara bem interessante no palco: foi espetacular! Valeu!
A performance dele era como ele mesmo descreveu:
Pernambuco em baixo dos pés e minha mente na imensidão.
Dava impressão que tava viajando sempre. Passeado em Angicos e em Palmares ao mesmo tempo, olhando pra Manágua e cantando por liberdade.
Também lembro-me dessa performance no programa Som Brasil, mais oque mais me marca é mesmo as que vi in-loco.
Outro característica dele é usar o sotaque Pernambuco de uma forma peculiar. Fazia questão usa-la seja onde for. veja a música Sobremesa do Afrociberdelia, em que ele canta em Inglês uma parte, ele fez um "Inglês Pernambucanizado".
Conheci o Chico em 1996 e era um cara altamente intelectual, era alguém à frente do seu tempo e tinha ideias que ninguém pensava em ter. O som dele de 15 anos atrás é muito mais atual do que qualquer coisa que se produza hoje em dia, ele foi feito pra durar longamente.
Muito bom o post.
SALVE CHICO!
Saudades de outros carnavais. ( carlos mota )
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